Fé de Emergência ou Intimidade Constante?
Por Del Gonçalves Lobato
Há poucas coisas tão simples e tão reveladoras quanto o momento em que o café acaba. Um gesto automático — abrir o armário pela manhã, esperando encontrar o aroma reconfortante que marca o início do dia — se transforma em frustração quando a embalagem está vazia. A ausência do café não é uma tragédia, mas ela interrompe o ritmo, desmonta o hábito, nos lembra de algo essencial que deixamos de repor.
Essa imagem trivial revela muito sobre a maneira como lidamos com o espiritual. Assim como o café precisa ser renovado para manter sua presença constante em nossa rotina, a intimidade com Deus também exige cultivo diário. O problema é que muitos só percebem essa ausência quando já estão vazios, cansados, espiritualmente exaustos. Vivem uma fé de emergência — e não de constância.
No ritmo acelerado da vida moderna, é comum tratarmos a espiritualidade como tratamos uma loja de conveniência: um lugar para socorrer-se quando há urgência, quando a alma grita, quando os recursos se esgotam. Nessas horas, buscamos a Deus com fervor — e Ele, em Sua graça, muitas vezes responde. Mas a grande questão não é se Ele pode nos socorrer, mas se desejamos habitar com Ele. Porque Deus não nos chamou para uma fé improvisada, mas para um relacionamento profundo, íntimo e constante.
Essa verdade está presente em toda a Escritura. O salmista Davi declarou com clareza: “Uma coisa pedi ao Senhor, e a buscarei: que eu possa morar na casa do Senhor todos os dias da minha vida” (Salmos 27:4). O verbo morar indica permanência, não passagem. Jesus reforça essa ideia ao afirmar: “Sem mim, nada podeis fazer” (João 15:5). E Jeremias resume a essência da intimidade: “Buscar-me-eis e me achareis quando me buscardes de todo o vosso coração” (Jeremias 29:13).
Há homens e mulheres nas Escrituras que viveram assim. Daniel, mesmo sob ameaça de morte, orava três vezes ao dia, como sempre fazia. Davi, mesmo em meio a batalhas e falhas, buscava ao Senhor de madrugada, com sede na alma. Enoque andou com Deus de maneira tão íntima que foi levado por Ele. Esses não construíram sua fé em tempos de urgência — construíram-na na rotina. Eles mantinham a alma abastecida.
Por outro lado, a Bíblia também mostra o que acontece com aqueles que só se lembram de Deus nas crises. Saul, rei de Israel, buscou o Senhor apenas quando a guerra se aproximava — e colheu o silêncio divino (1 Samuel 28:6). O povo de Israel, nos dias dos juízes, clamava por libertação sempre que afundava, mas logo se esquecia de Deus ao encontrar paz. E, entre os dez leprosos curados por Jesus, apenas um retornou para agradecer. Os demais ficaram com o milagre, mas perderam o relacionamento.
Esse padrão é comum. É fácil buscar a Deus quando a dor aperta, quando a alma sangra, quando o “café” acaba. Mas a fé verdadeira não é construída em improvisos; ela é mantida no secreto, na rotina, na constância.
Jesus alertou sobre isso na parábola das dez virgens. Todas tinham lâmpadas, todas aguardavam o noivo, mas apenas cinco tinham azeite suficiente. As demais perceberam tarde demais que lhes faltava o essencial — e a porta foi fechada (Mateus 25:3-10). Essa é uma metáfora séria: viver sem azeite, sem presença, sem intimidade, é arriscar-se espiritualmente.
No entanto, Deus continua nos convidando. “Chegai-vos a Deus, e Ele se chegará a vós” (Tiago 4:8). Ele ainda bate à porta (Apocalipse 3:20). Ele oferece não apenas respostas, mas descanso: “Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo, à sombra do Onipotente descansará” (Salmos 91:1).
A pergunta é direta: você está vivendo uma fé de conveniência ou uma fé de comunhão? Está buscando a Deus como último recurso ou como seu primeiro amor?
A vida espiritual não pode ser deixada para quando o café acaba. É no dia a dia, nos momentos comuns, nas madrugadas silenciosas e nas manhãs corridas que precisamos manter viva a chama do relacionamento com Deus. Porque quando a intimidade é constante, a urgência não nos desespera — apenas nos aproxima ainda mais daquele com quem já andamos.
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