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Um Monte, Uma Lenha e a Sombra do Cordeiro

Um Monte, Uma Lenha e a Sombra do Cordeiro


    
Nas primeiras horas do dia, quando o silêncio ainda cobria as tendas de Abraão, a voz do Eterno rompeu como um raio através da alma do patriarca. “Abraão! Toma agora o teu filho, o teu único filho, a quem amas, Isaque, e oferece-o em holocausto sobre uma das montanhas que eu te mostrarei.” Ah, que palavra dura e misteriosa! Que homem poderia suportar tal ordem sem que suas entranhas se revoltassem em amargura? Mas Abraão era amigo de Deus e, em obediência, levantou-se, como que amparado por mãos invisíveis, e começou a marcha lenta e solene para o Monte Moriá.

    O velho patriarca caminhava com os olhos postos no horizonte e o coração preso ao céu. Não perguntava, não vacilava; havia fé em seus passos e esperança em seu olhar. Ao lado dele ia Isaque, jovem e robusto, um símbolo vivo da promessa divina. Aquele rapaz, cuja própria existência era fruto de um milagre, agora carregava às costas a lenha do sacrifício. Não sabia ainda, pobre filho, que o altar seria o seu destino.

    Aqui, então, contemplamos um cenário tão sublime que mal podemos respirar. Sobre as colinas áridas de Moriá, onde o sol lança suas sombras como punhais sobre a terra, caminhava o escolhido de Deus, pronto a obedecer, mesmo quando a promessa parecia desabar como pó entre os dedos. Ao terceiro dia, levantando os olhos, Abraão viu de longe o lugar determinado por Deus. Com um olhar que diz muito, mas uma voz que fala pouco, disse ele aos servos: “Ficai-vos aqui... eu e o jovem iremos até ali, e, havendo adorado, voltaremos a vós.”


    
Abraão não sabia como, mas tinha fé que Deus proveria. Oh, sublime confiança! Esse homem, que tanto amava o menino, sabia que nenhuma promessa feita pelo Deus Eterno cairia por terra. Como poderia ser de outro modo? A voz que prometera Isaque era a mesma que agora pedia Isaque.

    A cena torna-se mais densa. Subindo pela encosta com os ventos sibilando como testemunhas, Abraão e Isaque seguem silenciosos. A lenha pesa nos ombros do jovem, a faca e o fogo nos do velho pai. É Isaque quem, rompendo o silêncio, murmura em inocência: “Meu pai, eis aqui o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto?” Abraão, com voz embargada de profeta e coração de pai, responde: “Deus proverá para si o cordeiro, meu filho.”

    Aqui está a fé em sua forma mais pura e crua: Abraão olha para o vazio, mas vê provisão. Ele olha para o altar, mas vê redenção. Que mistério! O Deus que exige é também o Deus que provê.

    O altar está pronto. A lenha está ordenada. Abraão amarra Isaque, e Isaque não resiste. Veja bem, amigo leitor, que o jovem não era uma criança frágil. Ele poderia ter fugido ou resistido, mas, como uma sombra daquele que viria, ele se entrega. Ele não vê a mão invisível que ampara, mas confia na mão visível que o ata. Abraão ergue o cutelo, e em seu gesto há obediência completa. Porém, antes que a lâmina desça, a voz do Anjo do Senhor rasga os céus como um trovão:

“Abraão! Abraão! Não estendas a tua mão sobre o jovem!”

    Deus proveu. Ali, preso pelos chifres em um arbusto, estava um carneiro, o substituto. Abraão desatou o filho, erigiu o altar e chamou aquele lugar de “Jeová-Jiré”: o Senhor proverá. O silêncio do monte foi preenchido por uma lição eterna: o Deus que exige o mais precioso é o mesmo que o devolve, transbordando em graça.

    Mas, caro leitor, olhemos além do Moriá, pois o Monte lança sua sombra para outra colina distante: o Calvário. Em Moriá, Deus proveu um carneiro preso pelos chifres. No Calvário, Ele proveu o Seu Cordeiro, preso pela vontade divina e pelos pecados do mundo. Enquanto Isaque foi poupado, Jesus foi entregue. Enquanto Abraão teve o consolo de uma provisão temporária, nós temos, em Cristo, a provisão eterna.

    Isaque carregou a lenha que apontava para a cruz, e Cristo carregou a cruz que encerrou o pecado. Isaque foi obediente até o altar, e Jesus foi obediente até à morte, e morte de cruz. Oh, que sacrifício! Que provisão! Como Abraão, ouvimos a voz do Deus eterno dizer: “Não estendas a tua mão, pois o Cordeiro já foi providenciado.”

    E aqui repousa o coração do Evangelho: o ato de obediência que atravessa os séculos. Do Moriá ao Calvário, Deus prova Seu amor. A provisão está feita, o cordeiro foi sacrificado, e a fé de Abraão encontra sua plena realização na cruz ensanguentada de Cristo.

    O Monte Moriá nos ensinou a confiar; o Calvário nos convida a crer. Que cada coração, diante dessa história, possa murmurar como Abraão: “O Senhor proverá.” E, olhando para o Cordeiro de Deus, possamos finalmente descansar: Ele já proveu.

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